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Passagens do livro Sagarana, do João Guimarães Rosa
Passagens do livro Sagarana, de João Guimarães Rosa, selecionadas pela Regina Pereira. Aproveite para conhecer também o Canal Radiolíngua do Acelera Texto.
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Leia também: Transcrição de passagens do livro Sagarana
Acelera Texto
Este é o seu Radio Língua, canal de áudio do Acelera Texto. Regina Pereira selecionou passagens do Sagarana. Vamos ouvir.
Regina Pereira
O primeiro trecho selecionado mostra que a questão da linguagem já está muito bem colocada na estreia de Rosa:
Em São Marcos ele diz:
“Não é sem assim que as palavras têm canto e plumagem.
E que o capiauzinho analfabeto Matutino Solferino Roberto da Silva existe, e, quando chega na bitácula, impõe: – ‘Me dá dez’tões de biscoito de talxóts!’ – porque deseja mercadoria fina e pensa que ‘caixote’ pelo jeitão plebeu deve ser termo deturpado. E que a gíria pede sempre roupa nova e escova”.
Ainda em São Marcos, uma experiência sensorial na natureza, que vai permear toda a obra:
“ (…) eu entrava no mato, e lá passava o dia inteiro, só para ver uma mudinha de cambuí a medrar da terra de-dentro de um buraco no tronco de um camboatã; para assistir à carga frontal das formigas-cabaças contra a pelugem farpada e eletrificada de uma tatarana lança-chamas; para namorar o namoro dos guaxes, pousados nos ramos compridos da aroeira; para saber ao certo se o meu-xará joão-de-barro fecharia mesmo a sua olaria, guardando o descanso domingueiro; para apostar sozinho, no concurso de salto à-vara entre os gafanhotos verdes e os gafanhões cinzentos; para estudar o treino de concentração do jaburu acromegálico; e para rir-me, à glória das aranhas-d’água, que vão corre-correndo, pernilongando sobre a casca de água do poço, pensando que aquilo é mesmo chão para se andar em cima”.
A natureza de novo presente na triste poesia na introdução da maleita, em Sarapalha:
“Talvez que até aqui ela não chegue… Deus há-de…
Mas chegou; nem dilatou para vir. E foi um ano de tristezas. Em abril, quando passaram as chuvas, o rio — que não tem pressa e não tem margens, porque cresce num dia mas leva mais de mês para minguar — desengordou devagarinho, deixando poços redondos num brejo de ciscos: troncos, ramos, gravetos coivara; cardumes de mandis apodrecendo; tabaranas vestidas de ouro, encalhadas, curimatãs pastando barro na invernada; jacarés, de mudança, apressados; canoinhas ao seco, no cerrado; e bois sarapintados, nadando como búfalos, comendo o mururê -de-flor-roxa flutuante, por entre as ilhas do melosal. Então, houve gente tremendo com os primeiros acessos da sezão.
— Talvez que para o ano ela não volte, -vá s’embora…”
E agora temos um contraponto, em A volta do marido pródigo, um dos textos mais bem-humorados da obra, Rosa fala assim da política:
“Major Anacleto relia — pela vigésima terceira vez — um telegrama do Compadre Vieira, Prefeito do Município, com transcrições de um outro telegrama, do Secretário do Interior, por sua vez inspirado nas anotações que o Presidente do Estado fizera num ante primeiro telegrama, de um Ministro conterrâneo. E a coisa viera vindo, do estilo dragocrático-mandológico-coactivo ao cabalístico-estatístico, daí para o messiânico-palimpséstico-parafrástico, depois para o cozinhativo-compradesco-recordante, e assim, de caçarola a tigela, de funil a gargalo, o fino fluido inicial se fizera caldo gordo, mui substancial e eficaz; tudo isso entre parênteses, para mostrar uma das razões por que a política é ar de fácil se respirar — mas para os de casa, os de fora nele abafam, e desistem”.
E por fim, a sentença crucial de A Hora e vez de Augusto Matraga:
“Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa mais a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria…Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.
[…] à sua loja. Juca foi companheiro de infância de Rosa e é personagem de O burrinho pedrês, de Sagarana. Desde então, Brasinha, o mais roseano dos roseanos, pratica uma liturgia: ler ao menos uma […]