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Escrever na internet

Como era antes da escrita digital

Por Fernanda Pompeu em Escrever na internet

Antes da escrita digital – fruto da internet, a escrita impressa reinou por 500 anos. A minha geração – nascidos nos anos 1950, 1960 – presenciou uma passagem radical. Pulamos da máquina de escrever para o teclado do computador.  Depois saltamos da informática sem internet para o mundo de hoje, com banda larga, redes sociais, inteligência artificial. E, é claro, para uma produção amazônica de escrita digital.

Eu comecei a perceber o impacto da mudança no meu trabalho – trazido pela internet – quando a jornalista e amiga Inês Castilho – hoje no blog Outras Palavras – machucou o braço, o que a impediu de realizar uma encomenda. Daí ela generosamente me indicou para o então editor do portal Yahoo Michel Blanco.

Tratava-se  de uma série em torno de mês de março – o mês da mulher.
Lembro do diálogo ao telefone:
Eu- Mas quantos toques (caracteres) terá cada artigo?
Michel – Ah, quantos você achar necessário.
Eu – Como?
Michel – Na internet cabe qualquer tamanho. Não existe o problema de espaço como nas publicações impressas.

Lembrei imediatamente de uma história saborosa. O editor de um grande jornal colombiano passava o dia ouvindo os redatores reclamaram da falta de espaço para desenvolverem suas matérias. Pois vinha tudo pré-determinado: Você vai falar da Guerra Fria em 3 laudas. O redator retrucava: Só 3 laudas? Daí o editor, de saco cheio, mandou confeccionar uma plaqueta com os dizeres: Falta de espaço? Reclame com a NASA.

Os escritores abaixo dos 40 anos, quando tenho a honra de encontrá-los, me perguntam como era escrever antes do computador. Melhor ainda, perguntam como era corrigir, trocar palavras, deslocar parágrafos sem os programas de texto.

As aspirantes a escritoras, menores de 30 anos, quando tenho a alegria de encontrá-las, indagam como era escrever sem uma tela para visualizar as palavras. Como era possível pesquisar qualquer informação sem o google?

Nessas ocasiões, me sinto encantada em desenhar a complicada máquina de escrever. Conto como era pôr, travar, retirar o papel. Como era trocar as bobinas das fitas de tinta preta e vermelha. E evoco o “branquinho da redação” – liquidozinho que fazia a vez da tecla del.

Agora o pessoal fica mesmo boquiaberto quando explico que medíamos a extensão do texto por toques. Isso mesmo: a tecla da máquina imprimia na lauda uma letra ou sinal, aí contávamos 1, 2, 20 toques. Fazia-se isso porque jornal ou revista são suportes físicos. Textos, fotos, ilustrações precisam ser rigorosamente medidos. Caso contrário, ou ficam demais, ou ficam de menos.

Para tirar cópias? Corríamos até a papelaria da esquina para xerocar, ou usávamos papel carbono na hora mesma de datilografar. Tudo muito tátil, muito físico. Também o envio do texto era pelo correio ou pessoalmente.

Contando dessa forma parece que estou descrevendo uma época situada na Idade Média. Época em que vampiros e demais fantasmas disputavam espaços com as pessoas. No entanto, há menos três décadas, o mundo dos escritores e jornalistas era assim.

O mais curioso é que quem viveu essa história não sabe exatamente como suportou um jeito de escrever tão detalhista e laborioso. Algum leitor ou leitora, nascido depois dos anos 1980, tem ideia do trabalho que dava rescrever um parágrafo? Ou mudar de posição uma mísera palavra? Uma magra frase?

Mas toda essa conversa é para dizer que algumas coisas do ofício da escrita digital ou impressa não mudam nunca. Se mantêm da pena de ganso ao Mac. Por exemplo, o momento dramático de começar um texto, cômico de continuá-lo, épico ao finalizá-lo.

E a sensação angustiante que desta vez, não importa que seja o milésimo segundo texto que você escreve, o trabalho pode não acontecer. Desta vez, talvez as palavras não pousem nos nossos dedos. Antes, era o medo do papel em branco. Hoje, é o da tela vazia. Dá no mesmo.

Brinde: Passagem tecnológica

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12 respostas para “Como era antes da escrita digital”

  1. Beto Melo disse:

    Fernanda, passei o maior tempo da minha vida de jornalista de redação como editor. Antes do computador, recorta-e-cola era exatamente isso: recortar com tesoura e colar com cola branca numa nova lauda. Isso porque os repórteres até escreviam as frases corretas, mas nas ordens “erradas” (na minha soberana opinião, é lógico). Daí, dá-lhe tesoura e dá-lhe cola.
    Não tenho nenhuma saudade disso. Era insano.

    • Fernanda Pompeu disse:

      Beto Melo, muito insano. Um trabalho extenuante. Tipo: obreiro. Hoje dá para se preocupar com o principal. O texto em si. Bom vê-lo por aqui. Obrigada. Beijo.

  2. Mikha disse:

    Sempre deliciosos os seus textos!

  3. Cristiane Collich Sampaio disse:

    Texto encantador.
    Por muitos anos acompanhei todo o processo de produção de veículos, da definição da pauta, reportagem, redação (na máquina de escrever e, depois, por meio do programa “Carta Certa”) e revisão, até diagramação, revisão de textos em linotipia (e, depois, de fotocomposição), past-up, secretaria gráfica e revisão de fotolitos e provas de impressão. Era muito trabalho braçal, num processo bastante demorado…. Mas tinha seus encantos.

    • Fernanda Pompeu disse:

      Cristiane, que bom você por aqui! Li o seu comentário e no final, pensei: Ufa! Como é que a gente conseguia trabalhar com tanta complexidade? Sim, um trabalho cerebral e braçal sem distinção. Agora a complexidade fica “escondida”. As ferramentas digitais colocam o difícil atrás e nos oferecem a facilidade. Uma beleza! Mas concordo, o ambiente Gutenberg clássico teve seus encantos, seus sonhos, suas grandes obras! Beijo e obrigada.

  4. jaeder wiler disse:

    Pois é. ..vivenciei o past- up (às vezes; letra por letra) na área de publicidade. Coisa de doido!?
    Abraço
    Jaeder Wiler

  5. […] Este diálogo ocorreu, dias atrás, num encontro inesperado com uma velha amiga. Depois do Oi, tudo bem?, ela lançou a pergunta: como eu começo a escrever? Ela sabe que eu sou escritora, redatora, blogueira. Sabe que o Acelera Texto pretende se firmar como um laboratório de Escrita Digital. Nós duas somos da geração que veio da lauda para a página digital. […]

  6. […] Acelera Texto, cheguei a conclusão que o Acelera Texto é um laboratório de escrita tradicional e digital focado em resultados. Ele é feito para autores que desejam deixar uma marca na internet e serem […]

  7. […] redatora desde a juventude. Passei do mundo impresso para o universo digital usando a redação como forma preferencial de expressão. Daí colecionei uma série de dicas que […]

  8. […] É um pouco diferente sim. Quando você vai escrever nas redes, primeiro você tem uma escrita que é mais imediata e mais fácil. Mais fácil do que quando você pegava a caneta e o papel. Agora, eu acho que a grande vantagem, o […]

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