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Semana Roseana 2019

Por Fernanda Pompeu em Arquivo

Regina Pereira vai nos contar uma aventura literária, a Semana Roseana 2019,
a festa na Cidade do Livro Vivo, onde somos “Os Guimarães Rosa”.
Para ouvir:

 

Leia a o áudio

Fernanda Pompeu

Por que vamos a Cordisburgo?
Por que voltamos a Cordisburgo?
Por que Cordisburgo não sai da gente?

Regina Pereira

Depois de 13 anos trago várias respostas. Para mim viver este lugar é mais que uma experiência literária: é uma experiência quase mística.
“Os dias que são passados vão indo em fila para o sertão.” Esta frase dita por Riobaldo em Grande Sertão: Veredas bem define o que julho é no calendário roseano.

Julho é destino fundamental, essencial e inevitável para um bando de leitores/devotos/doidos por Guimarães Rosa. Em 2019 aconteceu a
31ª edição da Semana Roseana. Uma festa literária longeva, que já teve seus altos e baixos. Momentos de fausto, como em 2006, no cinquentenário de Grande Sertão: Veredas, e em 2008, no centenário do autor. E momentos difíceis, de superação, em que, praticamente sem verba, nos reunimos em torno de raizeiros e mestres locais em oficinas de bem-querer, semanas feitas de puro voluntariado de leitores. E a festa segue, a despeito deste país despedaçado e desesperançado. Um foco de resistência num mar de retrocessos.

Na pequena Cordisburgo, “só quase lugar, mas tão de repente bonito”,  os viajantes literários, “os que perderam o trem para Barbacena”, os que praticam o mantra “Dia sim, dia também, Diadorim”, vão chegando mansamente, de todos os pontos do país, e até das estranjas, em alegre confraria, para celebrar uma obra e um autor, para entrar e sair sem cerimônia do Museu Casa Guimarães Rosa, espaço encantado que ele nos deixou de herança.

De dia, sob um céu absurdamente azul, e de noite, sob um céu onde “as estrelas brilham com mais agarre de alegria”, ficamos todos pacificados pela beleza.

Saindo de Belo Horizonte, em direção a Brasília, vamos nos aclimatando com o ar seco do cerrado, que vai se anunciando na paisagem tingida por cipós de são João, ipês, carobinhas, mulungus, barbatimão, umburanas, bate-caixas…

Na entrada, Cordisburgo nos saúda com uma casa-elefante, que o serralheiro e pedreiro Tazico desenhou e construiu depois de ter esculpido um zoológico de pedra representando os animais pré-históricos que habitaram a região e a Gruta de Maquiné há milhares de anos.

Uai, é de se perguntar, por que um elefante em pleno sertão?
Tazico responde:
– Vocês mesmo não vivem repetindo que o sertão está em toda parte?

E por Cordisburgo adentramos então na “boca do sertão”, expressão que carrega um duplo sentido: de entrada e de porta-voz. No fim da rua por onde chegamos avistamos a igrejinha azul e branca onde mora São José. A ele pedimos a bênção quando chegamos e agradecemos quando partimos. Esta via infelizmente se tornou uma rodovia depois de asfaltada a estrada que liga Cordisburgo a Curvelo! E nossa igrejinha corre perigo. Ela treme na passagem dos caminhões. Por ela tememos.

Na rua paralela abaixo, duas embaixadas nos recebem de portas abertas: O Museu Casa Guimarães Rosa, em frente à estação de trem, onde ninguém mais embarca, e por onde hoje só passam vagões abarrotados de minério. E a Loja do Brasinha, Aqui Já é Sertão, um museu informal, depositário de estórias, onde Brasinha, embaixador e objeteiro, nos recebe com um sorriso aberto, um abraço afetuoso, um carretel infindável de histórias. A casa do quê dos objetos.

Nestes dias tudo que fazemos é conjugar o verbo que amamos ter inventado: rosear.

Roseamos ouvindo os Miguilins, arautos que contam e recontam as estórias de Rosa com sotaque próprio.
Roseamos caminhando por estradinhas poeirentas acompanhando o grupo Caminhos do Sertão: violas e vozes cantando e narrando a obra.
Roseamos “amarradinhos em Deus”.
Roseamos com o marceneiro, luthier de viola e violeiro Jonhinho, o Jimmi Hendrix do Sertão, e com Seu Tuninho Sozinha, pedreiro que artesania as sanfonas Saracura e toca a musga Olerê baiana, presente em GSV e segundo seu Tuninho a preferida de João Rosa.
Roseamos na barbearia do Precatão, que baila, canta e conta estórias enquanto faz barba e cabelo.
Roseamos assistindo a concertos sinfônicos na matriz onde pulsa o
Sagrado Coração de Jesus, o coração que deu nome ao lugar.
Roseamos em saraus democráticos, onde todos têm voz.
Roseamos nos quintais onde se cultiva toda qualidade de plantas: mirras, orquideazinhas, suculentas, dálias, crisandálias, cristas de galo, corações-magoados, rosas e rosinhas singelas. E de onde raramente saímos de mão abanando. Há sempre uma muda de flor migrando do sertão para as cidades.
Roseamos nas casas onde buscamos quitandas e doces feitos por uma gente ordeira, trabalhadeira e caprichosa.
Roseamos quando manhanzamos sem presssa: aroma do café e dos biscoitos de polvilho assando recendendo na rua. Quando aspiramos uma brisa fresca, e o dia é apenas uma promessa de pássaros. Quando tudo parece recomeçar, o ar sendo diáfano. As pessoas passadas a limpo, cruzando com gente, tirando o chapéu e nos saudando: “Com Deus”. Na cidade de janelas e desjanelas rangendo as dores do tempo, nós vivemos em outro tempo.
Roseamos pelo cerrado, sujeito predominante nas veredas de Guimarães Rosa. Roseamos viajando pelo quem dos lugares, pelo sim dos horizontes.
Roseamos dentro da amizade, num tempo de “range rede” que nos concedemos viver. Roseamos num cotidiano simples e plácido que nos torna singelos.
Roseamos em honra a ele, João Guimarães Rosa, que nos ensinou que tudo que é bonito é absurdo.
Roseamos para não encardir de tristeza. Roseamos porque a arte nos salva das horas brutas. Roseamos em meio às asperezas da vida.
Roseamos para que uma obra deste porte se mantenha viva por muito tempo, como João desejou.
Roseamos para desendoidecer. “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”, o Livro nos ensinou.

E seguimos roseando por aqui, toda semana no IEB-USP, na Oficina de Leitura Guimarães Rosa, pelo puro prazer de ler a
obra em voz alta.
E no sertão de concreto, em eventos como o Grande Minhocão: Veredas, distribuindo rosas e afetos.
Depois de tantos argumentos, sintam-se convidados a rosear com a gente,
os Devotos do Rosa!

Fernanda
Muito bem! Esse foi o Rádio Língua do Acelera Texto com a Regina Pereira.
Grande abraço.

 

casa elefante em cordisburgo

Jardins do sertão

 

Frases de Guimarães Rosa

Frases da obra

 

Jimmi Hendris do Sertão

 

Matriz de Cordisburgo

Matriz Sagrado Coração de Jesus

 

Caminhos do Sertão

Narração Caminhos do Sertão

FOTOS: REGINA PEREIRA

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